Causos, contos e prosas

O Crime do Bilhete

Fato verídico. Aconteceu nos idos dos anos 90. A equipe era composta por três policiais, Carlão, Nogueira e Guimarães, todos lotados no 2º DP de Aparecida de Goiânia. Carlão era um policial inexperiente, pois havia acabado de entrar nos quadros de carreira da policia civil. Apenas com alguns meses de experiência. Poucas prisões e nenhum crime desvendado que merecesse destaque. Nogueira e Guimarães eram experientes, pois há tempos estavam no serviço policial. Já haviam desvendados muitos crimes, desbaratados algumas quadrilhas e efetuadas muitas prisões. Nogueira era o chefe da equipe, agente de 2ª classe. Era um policial linha de frente, porém muito falastrão. Sua maior dificuldade era o sobrepeso. Qualquer piadinha a respeito era motivo de briga. Apesar de obeso era muito bom de bola. Era torcedor fanático do Atlético, da campininha. Guimarães, ao contrário, era muito calado. Sofria do distúrbio da disfemia ou simplesmente gagueira. Quando estava nervoso o processo acelerava. Fazia com que repetisse sílabas e pausas durante as pronúncias de uma palavra ou frases. Também era bom de bola. O seu maior defeito era torcer pelo Vila Nova. Feitas as apresentações, vamos ao fato. Era de manhã. O expediente estava apenas iniciando. O dia estava calmo. Como sempre, o delegado titular despachava as ocorrências e as equipes as investigava. Porém, nesse dia um fato inusitado aconteceu. Um cidadão chegou ao distrito dizendo que sua residência fora arrombada e que alguns objetos e pertences tinham sido furtados. Informou que aguardava apenas a chegada da polícia para descobrir o tamanho do prejuízo. A equipe do Nogueira foi designada pelo delegado titular para investigar o ocorrido, deslocando imediatamente até a residência arrombada, localizada na região dos motéis, próxima o BR-153, em Aparecida de Goiânia. Lá chegando, depararam com a porta arrombada. Ninguém entrou, ficaram aguardando a chegada da perícia. Algum tempo depois a polícia técnica chegou ao local do suposto crime. Os policiais entraram meio receosos, porém seguros do serviço que estavam fazendo. A equipe acompanhou toda a perícia. A casa estava toda revirada. Móveis jogados ao chão, documentos e roupas espalhadas pela casa. Fizeram um primeiro apanhado, juntamente com a vítima, e descobriram que apenas a Televisão havia sido furtada. Como de praxe, o chefe da equipe fez todas as orientações à vitima. Após algum tempo, o Nogueira achou um bilhete em cima da estante, embaixo do cinzeiro. Ao ler o enunciado do bilhete, Nogueira começou a rir sem parar. Estava dando cólicas de tanto rir. Repassou o bilhete ao Carlão e esse, após ler, começou a rir, dando altas gargalhadas. Os peritos, a vítima e o Guimarães sem entender o que estava se passando. O bilhete foi repassado ao Guimarães e, esse, deu um sorrisinho meio sem graça, meio amarelo, todo desconcertado. Um dos peritos, ao ler, perguntou o motivo de tanta gargalhada. Sem pestanejar, Nogueira explicou os motivos. Olhando de soslaio, disse que Guimarães, quando nervoso, ficava gago, acelerando o processo de gagueira. E, ao depararem com o bilhete, notaram que o mesmo fora escrito de forma diferenciada, provocando, de forma inesperada, as risadas. Outro detalhe importante da investigação foi que, ao ler o bilhete, a vitima deduziu quem poderia ser o autor do furto da TV. O que estava escrito no bilhete? Leia na íntegra o manuscrito, escrito de forma que se deduz que o autor era gago: “Num num num sô sô sô lalaladrão. Trabababalhei e num num num rererecebi. Tô tô tô lelelevando apenas a Tv. Assim a dididivida fififica papaga”. Com as investigações descobriu-se que o cidadão de apelido Zé das Pingas era o autor do crime. Descobriu-se que o mesmo trabalhou, como servente, na reforma da residência da vítima. Ao ser ouvido no distrito, alegou que trabalhou para a vítima, mas não recebeu pelos serviços prestados. Ao contrário, a vítima alegou que honrou todos os compromissos, informando ainda que o Zé das Pingas gastou todo o dinheiro, com cachaça, no buteco da esquina. Fato confirmado por vizinhos. Ao delegado, não restou outra alternativa, senão, indiciar o Zé das Pingas no artigo 345, do Código Penal, pelo crime de exercício arbitrário das próprias razões. Quanto ao Guimarães, não toquem no assunto do bilhete, pois o mesmo fica enfurecido, partindo para briga.

 

Fonte: União Goiana dos Policiais Civis, em 24.03.2008.

Autor: Carlos José Ferreira de Oliveira, Agente de Polícia de 1ª Classe.