Causos, contos e prosas

Além Imóveis

ALÉM IMÓVEIS

 

Em Buriti Alegre existiu até meados dos anos setenta um escritório de pistolagem funcionando bem no centro da cidade. O dono era um fazendeiro conhecido por Zé Mato Grosso. Havia adquirido até uma fazendinha na entrada da cidade com dinheiro de quebra de milho feita para um grande político de Morrinhos. A fachada da firma era duma imobiliária com nome pomposo: Além imóveis. Entretanto nunca tinham vendido um palmo de chão.

Os funcionários da imobiliária eram bem conhecidos na região. Apareciam para executar algum servicinho com data marcada. Lembro-me do Geromão, Gê, Fonfom Helio e outros que não me recordo agora. Certa ocasião foi trabalhar na cidade de Água Limpa, um sargento bem recomendado, vindo das bandas de Trindade.

 Era o Pedrinho, mais conhecido como Delegado Pedrinho, homem de tradições fincadas nos anos quarenta, nos sertões de Goiás. Por onde passou comandando destacamentos policiais deixou sua marca contra pistoleiros. Este povinho traiçoeiro não tinha vez com ele. Aonde chegava, criminoso de sangue não aprumava.

Vai daí, começou a trabalhar. O riscado se cumpria: como milagre os homens do escritório foram sumindo. Faziam viagens para muito longe e nunca mais voltavam. Se alguém ia reclamar na delegacia mostrava o lado profissional do desaparecido. Certamente tinha ido executar algum contrato em outro Estado. Voltaria logo. Nunca aparecia.

 Ficou por último o fazendeiro Zé Mato Grosso e seu lugar-tenente Helio. Pedrinho os descobriu com quebra de milho contratada para Itumbiara. O alvo era um farmacêutico mui galã. O boticário andou mexendo com a mulher do fazendeiro João da Soca. Pedrinho havia descoberto do Helio ter recebido um carro novo como parte do pagamento.

Ele não tinha muita intimidade com este tipo de máquina. No caminho indo de Buriti Alegre para o local combinado tiveram um desentendimento com o carro novo. Na descida para o córrego foram ultrapassar uma jamanta e Helio não calculou adequadamente o tempo e espaço. No aperto tomou a opção errada. Jogou o carro para o acostamento.

Outra jamanta descia com carga superior a trinta toneladas. Tomou o rumo certo nestas imprudências: abriu para o acostamento para o apressadinho passar entre os dois caminhões. Não houve tempo para corrigir a manobra. Bateram de frente. O choque podia ser comparado à topada dum tijolo em movimento com uma caixa de fósforos. O carro dos pistoleiros acabou no fundo do riacho Lajeado há mais de trinta metros.

A polícia compareceu e examinou o carro deles. Encontrou duas pistolas, uma carabina, dois punhais e mais dois revolveres Taurus trinta e oito. Curiosamente na carteira de Zé Mato Grosso, além de uma oração de São Cipriano de corpo fechado, tinha uma tabela atualizada sobre os preços cobrados por cada serviço:

1.     Morte normal com arma de fogo:

·        Padre - trezentos salários mínimos;

·        Fazendeiro grande, deputado federal, senador, com serviço de jagunço ou proteção oficial – duzentos e cinqüenta salários mínimos;

·        Fazendeiro médio, comerciante remediado, médicos, advogados, prefeitos, deputados, juizes, promotores de justiça e assemelhados. - duzentos e vinte salários mínimos;

·        Vereador, comerciante pequeno, líderes comunitários, pastores, sitiantes - cento e noventa salários mínimos.

·        Delegados de polícia, oficiais de polícia, pistoleiros, mulheres em geral – cem salários mínimos;

·        Agentes policiais e praças de pré, até subtenentes – trinta e cinco salários mínimos.

·        Em caso de pacotes com mais de duas encomendas – soldados rasos e policiais de pré, entram como brinde à razão de um para cada duas encomendas.

 

2.     Condições de pagamento:

·        À vista, quinze por cento de desconto.

·        Outras situações, metade na contratação, metade na entrega;

·         Pagamento somente em dinheiro brasileiro;

·        Não pedimos avalistas, nem exigimos garantia. Sua palavra nos basta;

 

3.     Entregar contra prova (orelha) aumento de dez por cento. Cabeça vinte.

4.     Não aceitamos reclamação. Não desfazemos negócios acertados.

5.     No ato da parcela inicial, apresentar nome, apelido, fotografia recente e informações de onde pode ser encontrada a encomenda;

6.     Morte com arma branca e outras formas cruéis, acertar separadamente com o agente designado.

Depois da morte dos dois últimos remanescentes alguns delegados da região, como de Morrinhos, Caldas Novas, Goiatuba, Itumbiara, Água Limpa, etc., se reuniram na cidade deles. Resolveram dar uma busca na Alem Imóveis, para verificar os seus papéis.

Um cofre grande foi arrombado, existia uma dezena de contratos preenchidos com nomes e fotografias de muitas vítimas de crimes misteriosos. Uma caixa tipo arquivo, tinha vinte e seis fichas, com a rubrica aguardando sinal para finalizar.

Metade das fotografias era de pessoas conhecidas. Três das fichas pendentes chamavam a atenção: eram de policiais, dentre elas a do Pedrinho delegado, e uma observação a lápis: quem executar não pagará comissão para o escritório por dois anos. Muitas outras provas foram encontradas, mas a prudência recomendava deixar o assunto do jeito que estava. Pelo menos por alguns anos a região estaria sossegada.

                  Cruz credo avemaria, mangalô três vezes. Três batidas em madeira de lei...

 

Fonte: Delegado Eurípedes da Silva III