Causos, contos e prosas

JUDAS

 

O quinto distrito policial de campinas tem muitas histórias sobre prisões, presos, policiais, visitas complicadas, mortes misteriosas, tem de um tudo mesmo. No mês de abril Carlos estava de plantão quando recebeu um chamado duma senhora de idade reclamando sobre um morto jogado no seu quintal. Não havia outros policiais para acompanhá-lo na diligência e resolveu atender a vizinha da delegacia. Era muito atrevimento alguém jogar um corpo numa casa lindeiro da força policial. Precisava verificar logo e começar a procura ao criminoso. Enquanto acompanhava a velhinha ia pensando no castigo exemplar a ser dado ao atrevido criminoso.

Entrou com calma no quintal, pisando macio, cismado de encontrar o malandro e ter o mesmo destino do morto encostado ao muro. Aproximou-se do cadáver e chamou umas duas vezes e, nada. Devia estar morto mesmo. Chegou e mexeu no braço do suspeito que estava de bruços. Examinou-lhe as vestes e as viu compatíveis com trabalhadores da construção civil, inclusive uma botina rota do trabalho com cimento. Resolveu virar o corpo estendido para verificar se era algum conhecido, algum freguês dos finais de semana do pelo porco. Foi uma surpresa danada. Não era gente não!

 Era ocasião de sábado da aleluia e tratava-se dum boneco bem feito como Judas para ser malhado. Pegou o boneco e levou para a delegacia. A reclamante estava no quarto rezando para alma do morto. Quando Carlos passou pelo corredor carregando o corpo nas costas elas apenas olhou de soslaio, com medo das profundas e agradeceu. Elevou mais ainda as preces. Carlos foi com aquela arrumação para o DP. Chegou lá e passou reto sem ninguém ver. Colocou o bonecão deitado no pela – porco (cela) e esperou o amanhecer.

Falou para os colegas ter recolhido um bêbado caindo de tonto e não tinha condições de prestar declarações. Chegou o substituto do final de semana e passou-lhe a mesma história da cachaça. O plantonista era seu amigo Edmilson e recebeu o bebum como se fosse algo normal, alias o que não faltava era cliente desta classe na distrital. Carlos se foi, chegou em casa, tomou um demorado banho e foi tirar o sono atrasado.

Ali pelas duas horas da tarde acordou com sua mãe chamando-o para atender um telefonema urgente da delegacia. Mal pegou o fone e escutou o palavreado de tudo quanto era maldição estocada no vocabulário do policial seu amigo. Só não foi chamado de santo e rapadura, mas dois minutos depois o policial ligou novamente e tirou o atraso: para não dizer que ficou faltando algum palavrão, você é um santo e uma rapadura. Pronto não faltou nada.

Ficou vários dias evitando encontrar o amigo. Ele levou um baita sabão do titular do distrito por causa do boneco. Toda vez de quaresma se recorda do amigo policial, mas torce para ele ter esquecido o assunto.

 

Goiânia, 10NOV08

Autor: Delegado Euripedes da Silva III - euripedes3@ig.com.br