Causos, contos e prosas

UM PLANTÃO MUITO LOUCO

No mês de novembro de 2008 trabalhei num plantão da supervisão da Polícia Civil para uma colega, se prevenindo a uns probleminhas de saúde, perrengues diminutos. Cheguei ao batente, conferindo armas, pessoal, viaturas, problemas corriqueiros, estava tudo normal. O barco corria as mil maravilhas até ali pelas vinte horas quando um dos policiais mais antigos teve um mau contato nos neurônios. Policiais com parafuso frouxo é a coisa mais complicada que se pode imaginar, porque nossa principal ferramenta de trabalho é máquina de precisão, e só serve para fazer defunto.

A máquina precisa estar sempre afiada e pronta para sua finalidade. Matéria prima para seu funcionamento não falta, sempre existe bandidos no submundo querendo passar alguém para o outro lado por qualquer me da cá aquela palha, ou às vezes eles próprios comprando bilhete somente de ida. Operador de trabuco, principalmente policiais, precisa trabalhar em seu juízo perfeito, porque nas vezes que destaramela do prumo é o caos. Imagine confundir gente honesta com bandido em atividade?!

O meu colega desaprumado cismou com uma quadrilha se preparando para invadir o pentágono, em palavras menos eruditas o QG da Segurança Pública e, ele precisava ajudar a barrar os quadrilheiros. Não estava satisfeito com seu armamento, uma pistola ponto quarenta. Segundo disse não faria frente a um AR-15. Convencê-lo da desnecessidade de arma mais potente não estava fácil. Mandei que ficasse no QAP, ou seja, de prontidão na sala dos computadores para dar suporte logístico ao pelotão do GT-3 a caminho.

Saiu descontente, principalmente porque pedi sua arma. Entregou-lha a contragosto, desconfiado dalguma casinha armada para ele. Mas se foi. Lá o colega o convenceu a tirar folga, porque não estava na sua hora, era melhor se abrigar nalgum lugar seguro, possivelmente seu carro. Passado uns quarenta minutos chegou uma notícia das mais esquisitas: uma guarnição em patrulhamento no centro da capital encontrou uma bomba aérea típica da segunda Grande Guerra, estacionada numa calçada. O policial deu o formato da bruta dizendo-a semelhante a uma bola de futebol americano. Alguns curiosos de Internet falavam sobre a origem do artefato: era da União Soviética.

 Alardearam o poder de destruição do objeto suficiente para arrasar um quarteirão. Um curioso chegou a dizer que durante os ataques da aviação russa aquele tipo de bomba era temida como arrasa-quarteirão. Uma só daquelas podia levar para os ares a metade do centro de Goiânia. O povo ficou alarmado com as notícias e o pior, espalhou-se da bomba com o pito aceso esperando apenas um pequeno toque para desatinar meio mundo. A prudência recomendou evacuar cinco casas para cada lado de onde jazia o fogo do tinhoso em ponto de espera.

Na esquina estava em funcionamento um posto de gasolina e poderia entrar em reação térmica com a bomba levando tudo para o quinto dos infernos. Aí então a coisa ficaria horrenda, de arrepiar. O corpo de bombeiros foi posto de plantão com duas viaturas de resgate nas proximidades e caminhões tanques contra fogo de mangueira em riste. Agentes da defesa civil vieram acudir a emergência no isolamento. Alguns vizinhos precisavam socorro de palavras.

Nestas ocasiões sempre aparecem aquelas pessoas renitentes resistindo aos conselhos de precaução, não querendo sair de jeito nenhum. Fizemos um acordo com duas mulheres, elas assinaram um documento se responsabilizando por seus atos. O posto de gasolina foi desativado, os empregados saíram às presas com medo da reação em cadeia alardeada por alguns amantes de cenas violentas. Por ser uma noite de sábado não se encontrava o pessoal especializado em explosivos. Foi um custo achar um representante do grupo de excêntricos dos explosivos.

Por volta de meia noite escarafunchamos um destes homens, mais homens que os demais, pessoalzinho custoso. Esta profissão tem características diferentes, por exemplo, não conheço sobrevivente em acidentes de profissão. Quando estava pronto para deslocar ao encontro da bomba, chegou um sargento pedindo ajuda porque nosso maluco trabalhando na mesma sala dele, havia explodido a central de computação. Fomos lá ver. O policial fora do eixo estava embaixo das mesas de computador mexendo nos fios. Aconteceu um curso-circuito apagando tudo. Foi um Deus nos acuda para restabelecer a comunicação. Ao retirá-lo do emaranhado de fios, estava com o cabelo chamuscado de fogo e o rosto cheio de fuligem. Ela não percebera o fogo elétrico. Depois desta façanha o policial aceitou ir para casa, para nosso alivio.

 

Logo em seguida fomos ver a arma de guerra. O exército tinha mandado um representante para ver a bomba, e o enviado chegou à conclusão de não ser artefato de seu arsenal. O especialista e eu chegamos ao local suspeito e descemos da viatura, todos com cuidado, mas ele foi lá cumprimentar a bomba. Mostrou ter intimidade com a sinistra! Parecia ser sua amiga de longa data, desejou abraçá-la! Fiquei sestroso e de longe. Quando o homem maluco pegou a bruta tratei de correr para detrás duma mangueira do pátio, uns trinta metros distantes. Estava com medo, mas quando ele resolveu futricar na bomba para ver o sistema de percussão da espoleta, vi que aquele era desmiolado de medo. Devia faltar uma meia dúzia de parafusos na cachola. Escondi o máximo para não ser atingido. Uma manga madura caiu em cima de um tambor e me vi esfarelado em mil pedacinhos. Era a bomba azucrinando o mundo.   

Retirou os tampos da coisa braba e mostrou para a platéia distante, formada de um sargento, um agente de polícia e eu. Acenei de longe dizendo que estava tudo bem. Não precisava se aproximar para mostrar. Logo depois ele deu o diagnóstico: era algum equipamento hidráulico, possivelmente de regular pressão. Não era explosivo. Voltamos para falar com ele e tocar o monstrengo – onça morta todo mundo é caçador – toquei com respeito aquela bola de aço que fez uma parte da cidade tremer de medo e nós policiais agachar na cisma da explosão. Voltamos para nossa base, ao nosso QG.

Ao chegar fomos ver como andava os reparos onde o maluco tinha futricado. Os computadores voltaram a funcionar. O policial fora de seu centro voltou e queria trabalhar, para fazê-lo ir para casa foi um custo. Falei sobre a bomba da segunda guerra e que alguns aviões de caça sobrevoavam a região da Vila Nova, talvez ocorresse um ataque. Ele ficou velhaco principalmente porque naquele momento passava um jato fazendo manobras para pousar no aeroporto Santa Genoveva. O maluco foi para casa e ficou por lá até terminar o período de plantão, coisa de assustar sô!

Para levar o maluco mandei o agente Carlos e quando ele saía no corredor foi perguntado pelo seu ilustre passageiro sobre o andamento das horas: três e cinqüenta da madruga. O policial com ar muito compenetrado olhou para o alto, parou momentaneamente e alegou que não podia ser porque o sol estava muito quente. Carlos espertamente tocou outro assunto com ele, falando sobre a bomba encontrada, sobre a falta de máscaras contra gases em caso de um ataque aéreo e outros assuntos empolgantes. Entraram nuns assuntos sem pé nem cabeça foram pelo corredor e depois no pátio. Segundo contou o Carlos mal deu partida na viatura ele caiu no sono e assim foi até sua casa. Ainda bem!

Policial também fica maluco, né?!

 

Goiânia, 10NOV08

Delegado Euripedes da Silva III - Delegado Supervisor, Grupo C.