Causos, contos e prosas

A PRISÃO DO COFRE

 

Devia ser umas vinte horas de quarta-feira quando o Manoel Rufino pediu socorro no telefone 190. Sua voz era tremida e medrosa se noticiando vitima duma terrível ameaça por parte de sua locatária, a senhora Maria Lia. Deu o endereço onde estava esperando e suas características. Minutos depois encostou a viatura com dois policiais daqueles bem resolvidos. Queriam saber como era o crime, onde aconteceu, que horas foi, como era a bandida, quais as armas mostradas e muitas outras perguntas de enrolar o caboclo com respostas prontas ou pensadas.

Saíram à procura da suspeita, andando menos de dez minutos e pararam na porta de uma casa na Vila Nova. Todos desembarcaram e como o portão estava aberto foram entrando jardim adentro. O reclamante disse da casa ser sua e o aluguel estava atrasado há mais de seis meses. A fera moradora do lugar veio encontrá-los no terreiro da sala e foi logo perguntando o que os cachorros do governo faziam em sua porta. Se tinha mandado do juiz para invadir, se procurava algum criminoso perigoso? Do contrário pirassem dali!

O assustado Manoel ficava se escondendo atrás do policial apontando aquela fera como perigosa pistoleira, ela estava alterada e recebeu voz de prisão por desacato a “otoridade”, tiveram de imobilizá-la. Os polícias queriam saber onde estava o trabuco usado nas ameaças ao Sr Manoel ali presente. Nisto apareceu uma testemunha, parente da vítima dizendo dela ter guardado a arma num cofre, destes portáteis, pesando mais ou menos uns noventa quilos. Ficava na sala, atrás da cortina. Tinha de abri-lo para a autoridade ver se havia mesmo alguma arma, ver os documentos e aprender se fosse o caso. A detida alegou não conhecer o segredo de abrir e não queria fazê-lo.

A questão da prisão dava a ela o direito a um telefonema e desejava chamar seu irmão para abrir e mostrar que lá não tinha arma nenhuma. Era invenção daquela lambisgóia metida a falastrona. Tirassem ela de sua casa, pois ia alegar em juízo invasão de domicilio tanto da mulher quanto dos policiais. Sua prisão era arbitraria e ia processar todo mundo. Negócios de aluguel são coisas civis conforme fala todo mundo na televisão. Um dos policiais perdeu a paciência e levou a mulher quase de arrasto para a viatura. Todo mundo teve de ir para o DP.

Os policiais não encontraram outra solução senão “prender” o cofre, era um elemento perigoso, frio, cheio de segredos, estava armado e devia ser levado para a xilindró. Na delegacia armou-se um qüiproquó dos diabos. O delegado não tinha como fazer o flagrante sem a apresentação da arma, não podia liberar o cofre, porque nele estavam provas mais do que contundentes. A mulher não se dispunha a abri-lo de jeito nenhum e isto aumentou as suspeitas da existência de coisas comprometedoras guardadas lá. A confusão ficou feia e foi chamado o supervisor da polícia civil, delegado Euripedes, para apresentar uma solução.

Ao final das contas o homem olhou o cofre, olhou a mulher bastante agitada e cheia de mé, olhou o senhorio cheio de razão protegido pela polícia, olhou a testemunha cheia de certeza e resolveu: soltassem a mulher acusada de ameaça, por falta de provas, suficientes para sua prisão, ouvissem os demais e prendessem o cofre! Era um elemento perigoso em razão da arma que escondia, devia estar cheio de segredos e, precisavam ver o que guarda de tão precioso. Afinal todos foram embora, exceto o acusado, ou seja, o cofre. O assunto ficou para o dia seguinte.

Gyn, GO, 09JUL09

Delegado Euripedes III