O Vanderlei, técnico em informática da Associação de Cabos e Soldados de Goiás foi um adolescente dos mais encrenqueiros de seu bairro na Cidade de São Paulo. Andava com uma turma de amigos de farras nos finais de semana e não recuava quando o assunto era briga com a turma adversária. Como acontece com a maioria dos jovens ele também era enturmado e no seu bairro havia uma súcia de jovens da rua de baixo, inimigos naturais. O pedaço era dividido entre a turma de baixo e a de cima. Vanderlei fazia parte da turma de cima. Uma ocasião ele estava com seis colegas num bar no final da tarde dum domingo quando apareceu a turma de baixo, comandada pelo Garnisé um baixinho briguento de fazer inveja.
Mal se aproximaram e começou a encrenca porque fora lançado um filme brasileiro e havia um personagem de nome Zé Pequeno muito parecido fisicamente com o nosso personagem e igualmente metido a mandar nos outros. O tal Garnisé já foi chegando carteando marra, dizendo aos adversários para se mandar, porque o espaço era pequeno para os dois grupos. Fossem procurar outro lugar, isto enquanto estavam de bom humor, porque se demorassem o pau ia cair a folha. Principalmente em razão da notícia sobre os moleirões de cima ter elegido um tal de Zé Pequeno como porta-voz deles. Queria ver como este sujeitinho feio e atarracado ia se virar para não apanhar, já estava ficando irritado com a demora deles em desinfetar o ambiente.
Wanderlei estava meio sóbrio, meio ébrio e encrencado e meio. Simplesmente se levantou da mesa fazendo umas gingas de capoeira: parou por um instante, balançou em cima das pernas e disse que todo mundo ali presente ia apanhar. Mal fechou a boca e o tempo fechou em pancadaria. O grupo dele apanhou até não ter mais jeito e pela primeira vez deram graças a Deus ao ver uma viatura da polícia. Os integrantes da turma de baixo escafederam no mundo, deixando o restante da surra para outro dia. Passado uns dois meses o líder dos de cima foi a uma boate do bairro vizinho e chegou botando banca como se fosse traficante da alta roda, vindo do asfalto à cata de novos fornecedores. Na boate onde estavam a coisa foi ficando preta e os seguranças se reuniram para ver como resolver. Os três amigos de Vanderlei foram botados para correr apenas no grito, mas com o líder a coisa encrencou.
Veio o Gilsão, sujeito duns dois metros e mais de cento e cinqüenta quilos de puro músculo, como Vanderlei era boca-dura e não parava de insultá-lo reclamando direitos que nem sabia se existia, o brutamontes o pegou pelo meio e jogou numa mesa, quebrando-a em vários pedaços e ele continuava rateando como se tivesse ganhando a briga. Foi jogado em outras duas e igualmente elas foram espedaçadas. Finalmente Gilsão o pegou pelo meio e o arremessou contra a porta de vidro da rua. Aí o nosso homem brabo pensou que o mundo estivesse acabando em cacos porque ao bater na porta quebrando-a caiu rolando no meio da rua. Por sorte não passava nenhum veiculo, senão seria atropelado. Pensam que nosso herói se deu por vencido? Não! Nada disto! Se levantou, bateu a poeira da bunda, esfregou os hematomas e prometeu voltar para acertar o passo daquele ordinário.
Foi em sua casa e pegou duas facas de mesa voltando para a sena da briga, parando próximo numa praça onde funcionava um barzinho a noite inteira. Seus dois fiéis amigos, Russo e Toni esperavam para ver finalmente seu líder se redimir. Aí ele foi até onde estava um dos garçons do bar perguntando se acaso conheciam o Gilsão segurança e fez questão de mostrar as facas. Tendo resposta boa, perguntou se acaso o sujeito passava por ali, porque tinha uma parada para resolver com ele e provavelmente depois da briga não ficaria nada de pé na praça. O barman olhou o valentão e acenou em muxoxo de baiano apontado com o beiço o canto da praça:
- Gilsão é aquele guarda-roupa quatro por quatro que vem lá. O senhor teve sorte porque hoje ele está sozinho. Também não gosto do cabra e vou torcer pelo senhor.
Wanderlei olhou o monstro vindo em sua direção e pareceu-lhe ser mais gigante que antes. Levantou-se rapidamente recomendando aos amigos correr bastante porque o Gilsão vinha chegando e o conhecia duma surra memorável, se os apanhasse ia bater nos três. E botaram sebo nas canelas, correram tanto a ponto de desertarem uns dos outros. Vanderlei veio parar em Goiânia e até hoje, passado mais de vinte anos, não voltou a seu antigo bairro de São Paulo. Aqui tomou modos de gente civilizada, porque ficou sabendo que os goianos não alisam cabras valentes com poucas pancadas: gostam mesmo é de revólver, de preferência calibre alto. Melhor não arriscar.
Ap. de Goiânia, GO, 25SET10
Delegado Eurípedes III
Ouça na Rádio Mil FM 102,9 ao programa ronda Policial o quadro Delegacia de contos às 3ª e 6ª feiras as 07 h
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