Causos, contos e prosas

Casa de Libação Cervejatória

O plantão da supervisão corria em calmarias de antão com o pessoal escalado ferrado em livros de doutrina e romances. Aqueles prevenidos com a velhice desejosos de galgar degraus dum concurso rebuscavam teorias e doutrinas sobre os mais variados temas jurídicos. O chefe, culto e embirrado nos verbetes do vernáculo devaneava com Machado consultando a cada cinco minutos um Aurélio roto de tanto trato em suas folhas. Vez por outra algum telefonema de plantonistas enrascados em assuntos da zetética o fazia pausar a leitura. Escutar a explicação do mestre era coisa que ninguém deixava de fazê-lo. Muitas das vezes o chefe passava mais tempo traduzindo as palavras novas para o português da planície que falando da doutrina jurídica.

Num destes dias um delegado novato veio do interior e deslumbrando com as luzes da capital resolver ir a uma boate legal e por informações de outros colegas foi à Samauma, lugar freqüentado por gente antenada com o progresso e coisas modernas. Encontraram lá umas gatas das mais avançadas inclusive duas delas se engraçaram com ele e quando foi conferir os documentos pessoais de uma delas a coisa estacou, porque havia erro de embalagem: eram marmanjos travestidos de mariposas. O caldo entornou e a coisa engrossou com apelação para o direito da força sendo necessário recorrer à força do direito. A polícia militar compareceu e sendo um delegado o principal envolvido na carraspana, foi chamado a supervisão. La veio nosso colega de palavreado rebuscado para botar paz no banzeiro.

Depois de resolvido o imbróglio chegou a hora de fazer o relatório e aí baixou o espírito de Machado no nosso representante e ele derramou verborragia no seu falatório. La pelo meio do relato resolveu tascar o verbete “Casa de Libação cervejatoria” causando reboliço na SPJ para entender esta alocução. O Aurélio deu para libação ato de derramar liquido ou óleo em oferenda aos deuses, o superintendente ficou de orelha em pé, porque no passado havia um delegado cabeça branca com manias de andar de branco nas sextas-feiras se dizendo pai de santo, para sossego dos crédulos noutras seitas, o tal se aposentou, mas agora se via diante de um novato com manias tribais. Carecia chamar a autoridade iniciante para uma conversa mais aprumada. Mandou fazer nova pesquisa sobre a “libação” do plantonista. Aí um escrivão mais ligado no vernáculo trouxe outra explicação: poderia também cambiar a palavra para beber apenas pelo prazer puro e simples. O chefe ficou mais calmo, mas mesmo assim resolveu ficar de olho aberto para o lado do novato. Ele se encontra no estagio probatório e vai daí que seja cachacista militante, não vai dar certo. Entretanto melhor aguardar o andar da carruagem.

Ah! Com relação à “cervejatória”, somente foi possível interpretar teleologicamente, ficando aceito tratar-se d'alguma coisa relacionada com lúpulo, cevada maltada, água e fermentação, pois tal verbete não existe no Aurélio!

 

Pois é!

 

Ap. de Gyn, GO, 10OUT10

Delegado Euripedes III