O caso do suicídio de um adolescente de 15 anos em Goiânia, em junho deste ano, acionou o alerta das comunidades local e escolar das quais a vítima participava e levou a uma mobilização emergencial. Para tentar reverter o quadro que se desenhava, em que outros estudantes, amigos ou conhecidos entre si também manifestavam ideações suicidas, os profissionais envolvidos iniciaram um trabalho de prevenção, como estimula a campanha Setembro Amarelo, realizada durante este mês, e que é destacado pela data de hoje, considerada a do Dia Mundial de Prevenção do Suicídio.

Segundo apurou a reportagem, diretores de escolas da região em que o fato ocorreu se preocuparam com um cenário que consideraram de risco para os adolescentes e buscaram no Ministério Público de Goiás (MP-GO) o auxílio para lidar com a situação. Após uma reunião convocada pelo MP-GO, algumas ações foram realizadas. Dentre elas, o início do acompanhamento presencial de alunos que estavam em tal situação, assim como de suas famílias, por profissionais da Saúde. Em um dos casos, a internação de um dos adolescentes em uma unidade psiquiátrica se fez necessária.

A situação é um recorte de um quadro de preocupação de pais, responsáveis e profissionais para a predominância de vítimas jovens em casos de suicídio e os números crescentes de tais ocorrências. De acordo com dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade do Ministério da Saúde, 301 óbitos por suicídio juvenil ocorreram em Goiás entre os anos de 2005 e 2015. As vítimas em questão são pessoas com idades entre 10 e 19, faixa etária classificada como adolescência pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

A atenção ao quadro se tornou ainda maior por causa da popularização de jogos e desafios em que terceiros instigam participantes a executarem tarefas, que incluem, por exemplo, a automutilação, e que têm como fim o suicídio. Alguns exemplos são o jogo Baleia Azul, que se tornou conhecido no Brasil e teria deixado vítimas no País desde o ano passado, e, mais recentemente, o desafio Boneca Momo, em que pessoas, por meio de um perfil com a imagem de uma escultura japonesa considerada assustadora, instigam participantes a cometerem o autoextermínio. A ligação do jogo com o suicídio de um menino de 9 anos, em Recife (PE), é apurada pela Polícia Civil de Pernambuco.

Na opinião de especialistas, a internet é um elemento que pode potencializar uma situação já existente de vulnerabilidade, mas ressaltam que deve haver cuidado para que não seja feita uma avaliação simplista do quadro, uma vez que nem todo suicídio decorre de influência da tecnologia, como explica o psiquiatra Murilo Leite. De acordo com ele, tais situações são a consequência de uma associação de fatores, como uso de substâncias ilícitas, relações familiares precárias, desamparo afetivo e até mesmo questões socioculturais, como pobreza, violência e outros aspectos da vulnerabilidade social.

Nem mesmo transtornos psiquiátricos, como depressão e transtorno bipolar de humor, que têm aumentado significativamente, segundo Leite, podem ser vistos como causas únicas. “É uma somatória. Nem sempre se trata da existência de uma doença psiquiátrica, mas pode ser uma situação momentânea vivida e que leva a isso”, explica.

Em Goiás
Nos últimos três anos, ainda não incluídos no balanço do Ministério da Saúde mencionado anteriormente, outros casos ocorreram e se tornaram públicos no Estado, como os de dois adolescentes, de 13 e 15 anos, que colocaram fim à própria vida em fevereiro desde ano. Ambas as vítimas viviam em Goiânia e suas mortes levantaram a suspeita sobre um possível induzimento ao suicídio por meio de grupos da internet. Os casos estão incluídos em um inquérito instaurado pela Delegacia de Repressão a Crimes Cibernéticos (Dercc) e conduzido pela delegada titular Sabrina Leles.

Segundo ela, trata-se do primeiro caso no Estado em que é apurado um autoextermínio correlacionado ao uso da internet. A investigadora ressalta, contudo, que isso não representa a ausência de situações semelhantes e com tal causa anteriormente e, também, que nem todos os casos de suicídio partem da influência virtual.

As investigações identificaram que uma das mortes foi motivada por questões pessoais, não relacionadas à internet, explica, enquanto a outra pode ter ocorrido por instigação de pessoas em um grupo do Facebook, conhecido como The Haters. Esta segue sendo apurada pela Polícia Civil. Na época, integrantes do grupo negaram, em entrevista ao POPULAR, o estímulo ao suicídio.

De acordo com Sabrina Leles, o grupo foi extinto após decisão judicial e os administradores, a maior parte adolescentes de outros Estados, identificados. “Depois que o caso foi divulgado, nós fomos procurados por famílias que disseram que começaram a observar os filhos e conseguiram evitar que uma situação semelhante ocorresse”, conta.

Outros três suicídios ocorridos em 2018 (dois em Rio Verde e um em Montividiu, cidades do Sudoeste do Estado) podem ter sido “potencializados pela internet”, como definiu a delegada. Porém, em nenhum deles foram encontradas provas de instigação por terceiros.

“Instigar e induzir à prática suicida é um crime. Porém, nestes casos, as vítimas foram influenciadas. É diferente”, explica ela, exemplificando que alguns casos ocorrem por influência do teor de determinados conteúdos divulgados em páginas da internet, e não necessariamente por estímulo direto ao autoextermínio.


Adolescência é fase de desafios
O suicídio é a quarta maior causa de morte entre pessoas de 15 a 29 anos no Brasil, segundo dados de 2017 do Sistema de Informação sobre Mortalidade do Ministério da Saúde. No mundo, o autoextermínio é a segunda principal causa entre pessoas desta faixa etária. De acordo com o Mapa da Violência de 2015, o número de casos deste tipo tem aumentado, chegando a um total de 21 mil entre 1980 e 2013. Os altos índices exigem esforços para a conscientização, diz a psicóloga Karla Cerávolo.

“É necessário falar sobre os sintomas e sobre transtornos. É preciso que as pessoas entendam sobre o assunto, que ainda é um tabu. Ainda há uma resistência, pois o suicídio é um tema que tira as pessoas da zona de conforto. Infelizmente, costuma-se falar sobre apenas quando um caso ocorre”, afirma a profissional.

De acordo com ela, os perfis em que há mais ocorrências de autoextermínio incluem, além da faixa de 15 a 29 anos, pessoas de até 35 anos e também idosos. Cada uma dessas etapas da vida tem características distintas e a adolescência pode ser considerada uma das mais complexas. “É quando a criança começa a se ver sozinha no mundo e precisa lidar com a verdade, com as decisões e as frustrações. É preciso prepará-la para isso na infância”, explica Cerávolo. “Quando o adolescente não foi preparado, o impacto sofrido é muito grande. Ele não consegue traçar estratégias ou pensar em saídas para as situações que enfrenta”, continua.

A realidade contemporânea apresentou aos pais e responsáveis questões até então desconhecidas por outras gerações, como, por exemplo, o acesso e o contato com a tecnologia e interligação em rede da sociedade, por meio da internet. Com isso, o uso de alguns equipamentos passou a ser feito como meio de solucionar problemas como indisciplina ou falta de tempo através do entretenimento de crianças por vídeos e jogos, o que é visto pela psicóloga como um problema. “Os pais precisam se questionar sobre a real importância de dar um telefone ou um tablet para seus filhos e não terceirizar para essas ferramentas a criação dessas pessoas”, avalia.

Influência
Mesmo diante da impossibilidade de se determinar causas para a violência autoprovocada, a necessidade de zelo e atenção se faz presente em todos os âmbitos. No mundo virtual, por exemplo, pais e responsáveis precisam acompanhar de perto o tipo de conteúdo consumido por crianças e adolescentes, segundo a psicóloga Karla Cerávolo. Ela afirma que o cuidado deve ser constante, uma vez que existe uma tendência de que esse tipo de jogo ou desafio se renove, em vez de ter fim.

O perigo, explica, mora no fato de a adolescência ser uma fase de formação de identidade, em que a necessidade de autoafirmação pode levar à participação em atividades de risco sem a capacidade de mensurar as consequências. “Esses jogos instigam o adolescente a passar por uma prova para mostrar que ele é bom e capaz”, diz a profissional, que comenta também a atuação das redes sociais nesse sentido. “Com o surgimento delas, o ideal da necessidade de ter uma vida perfeita ficou ainda mais forte. As pessoas querem provar para as outras que estão bem e felizes. Quando isso não ocorre, vem o sofrimento”, avalia.

Fatores de risco exigem atenção
Para profissionais da Saúde, a prevenção, promovida neste mês pela campanha Setembro Amarelo, é a questão mais importante quando se trata de suicídio e seu principal objetivo é a identificação precoce de fatores de risco, segundo o psiquiatra Murilo Leite. A perda do prazer em realizar atividades, a desesperança, a dificuldade em fazer planos e o declínio no rendimento escolar podem ser vistos como sintomas.

Nem sempre, explica Leite, há a verbalização da ideação suicida e, quando existentes, as manifestações verbais de descontentamento com a vida não devem ser vistas como superficiais. “É algo que tem de ser observado e levado em consideração. Não pode ser visto como uma fraqueza ou uma bobagem”, explica.

A atenção se faz necessária, de acordo com a psicóloga Karla Cerávolos, e se dá a partir da observação da conduta. “A alteração no comportamento é o principal ponto em qualquer faixa etária. Não é preciso esperar muito tempo para ajudar. A palavra de ordem é acolhimento. Se a pessoa já começa sendo julgada, não é positivo”, diz.